Uma em cada dez espécies de abelhas silvestres da Europa
está ameaçada de extinção, constatou um estudo publicado em março de 2015 pela União Internacional pela Conservação da Natureza
(IUCN, na sigla em inglês). Esta foi a primeira vez que todas as 1 965
espécies de abelhas europeias foram estudadas, incluindo dados de sua
população, distribuição, tendências e ameaças.
O levantamento concluiu que, além de 9,2% das espécies
estarem ameaçadas, outros 5% correm grande risco de entrar nessa lista
em um futuro próximo. O documento mostrou ainda que 7,7% das espécies
sofreram um declínio populacional, 12,6% estão estáveis e 0,7% estão
aumentando. Os dados dos 79% restantes são desconhecidos, o que
demonstra uma "alarmante falta de conhecimento e recursos", como apontou
Jean-Christophe Vié, do Programa Global de Espécies da IUCN.
Dois terços dos alimentos que nós ingerimos são cultivados com a ajuda
das abelhas. Na busca de pólen, sua refeição, esses insetos polinizam
plantações de frutas, legumes e grãos.
Em 2006, apicultores nos Estados Unidos começaram a notar que suas
colônias de abelhas estavam desaparecendo. Cientistas investigaram e
comprovaram o fenômeno, que foi batizado de colony collapse disorder
(síndrome do colapso da colônia, CCD)devido a viroses. Sete anos depois, o sumiço
continua: no inverno de 2012 para 2013, dado mais recente, 31% das
abelhas americanas deixaram de existir.
A escassez de polinizadores já afeta alguns cultivos. Em 2013, a queda
na produção elevou o preço das amêndoas nos Estados Unidos em 43% em
relação ao ano anterior, segundo informações do jornal The Telegraph.
Pelo mesmo motivo, o quilo da oleaginosa na Espanha, outro produtor,
chegou a quase 8 euros - o mais alto desde 2005. Na França, as vítimas
foram as cerejas, que passaram a ser cultivadas na Austrália, menos
afetada pela falta de abelhas. No Brasil, segundo especialistas, a
redução de insetos afetou a plantação de maçãs, embora as perdas não
tenham sido quantificadas. "Se o problema continuar, o modelo atual de
fazendas vai se tornar insustentável. O custo de produção vai subir para
o produtor e para o consumidor final, de modo que diversos fazendeiros
podem acabar deixando a atividade", afirma o físico brasileiro Paulo de
Souza, estudioso do tema na Organização Nacional de Pesquisa Científica e
Industrial da Austrália.
Vilões:
Perda de habitat devido ao aumento das
plantações, uso de inseticidas, desenvolvimento urbano acelerado e
mudanças climáticas são apontados pela organização como principais
causas para esse fenômeno.
Abelhas são essenciais tanto para ecossistemas selvagens quanto para a
agricultura. A polinização de plantações que esses animais realizam é
estimada em 153 bilhões de euros em todo o mundo e 22 bilhões só para a
Europa. Das principais plantações para consumo humano na Europa, 84%
requerem polinizações de insetos.
Pesticidas - A causa do sumiço é um mistério que
intriga os pesquisadores, a começar pelo fato de os corpos dos insetos
não serem encontrados nas colmeias ou arredores. Os animais desaparecem
sem deixar rastros, e os especialistas acreditam que o motivo seja uma
espécie de curto-circuito no sistema de localização das abelhas, fazendo
com que elas se percam. A diversidade de espécies e as peculiaridades
de cada país dificultam a investigação sobre o extermínio.
Entre os principais motivos apontados está o uso de pesticidas,
especialmente os neonicotinoides, uma das classes mais utilizadas por
agricultores. "Os neonicotinoides têm uma segurança grande com relação
aos mamíferos, principalmente o homem, por isso são bastante utilizados.
O problema é que eles afetam não apenas os insetos que são considerados
pragas, mas os polinizadores também", explica Aroni Sattler, professor
de agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cujo trabalho
envolve ajudar apicultores a descobrir a causa da perda de suas
abelhas.
As suspeitas levaram a União Europeia a banir os neonicotinoides por
um período de dois anos, iniciado em julho de 2013, apesar dos protestos
de produtores agrícolas e as multinacionais químicas e
agroalimentícias. Nesse intervalo, será avaliado o impacto da proibição
na agricultura e nas abelhas, para se decidir se a regra será mantida
por mais tempo. "A medida é radical, mas necessária", diz Paulo de
Souza. "Foi uma medida de precaução, mesmo critério adotado na criação
do Protocolo de Kyoto."
Souza lidera um estudo que vai instalar sensores em 5.000 mil abelhas para monitorar sua localização em tempo real e estudar as causas do
extermínio. "As pesquisas nos mostram os fatores [que causam as mortes
de abelhas] com alguma segurança, mas não sabemos ainda qual é o peso de
qual um deles, nem como eles se combinam", diz.
Pragas - Além dos pesticidas, vírus, fungos, bactérias e outros parasitas são apontados como vilões. O principal é o ácaro Varroa destructor, que se agarra às abelhas, suga sua hemolinfa (o "sangue" dos insetos) e pode transmitir vírus aos animais.
A Austrália é, atualmente, o único país do planeta que ainda não foi
atingido pelo Varroa. Para manter o status de abelhas mais saudáveis
existentes, cuidados relativos à biossegurança foram adotados por lá.
Segundo Souza, todos os aeroportos contam com cães especialistas em
farejar frutas na bagagem dos passageiros, norma que evita a
contaminação mesmo entre os Estados australianos.
Outras causas - A monocultura e o manejo inadequado
das colmeias por parte dos criadores também atrapalham os insetos. Uma
área de plantação extensa com apenas um tipo de planta, como a soja ou o
girassol, faz com que as abelhas colocadas para trabalhar naquela
região se alimentem de um tipo de pólen exclusivamente. A restrição
causa má-nutrição, uma vez o pólen de cada planta possui uma composição
diferente de proteína. "A abelha evoluiu com as plantas que se
reproduzem por meio de flores, uma dependendo da outra, enquanto a
monocultura é mais recente", explica Sattler.
Em busca de aumentar a produtividade, algumas práticas de manejo das
colmeias estressam os animais, o que pode reduzir seu tempo de vida. De
acordo com Paulo de Souza, criadores colocam uma espécie de "tapete
grudento" na entrada da colmeia, que retém todo o pólen que a abelha
recolheu durante seu voo, obrigando-a a sair novamente em busca de
alimento.
Além disso, suspeita-se que a poluição do ar e até mesmo sinais de
torres de celular poderiam
influenciar o sistema de orientação desses
insetos. Essas teorias ainda não foram comprovadas.
Enquanto o sumiço das abelhas não é desvendado, a ciência falha em
encontrar formas de substitui-las. A solução mais próxima é colocar o
próprio homem para fazer o trabalho. "Em regiões da China onde a
população de abelhas foi reduzida drasticamente, fazendeiros de maçã
precisam de empregados para fazer a polinização manual", afirma Rodolfo
Jaffe, pós-doutorando do laboratório de abelhas da USP. A tarefa é
realizada com auxílio de envelopes de pólen e um tipo de vareta com a
qual os trabalhadores tocam as flores. Mas o processo é mais demorado e
caro do que o das abelhas e menos eficiente.
Problema nacional - No Brasil, apicultores de
diversos Estados têm relatado perdas substanciais - e muitas vezes
inexplicáveis - em suas colmeias. Além de Santa Catarina, Minas Gerais,
São Paulo e Rio Grande do Sul estão entre os afetados. "Por enquanto,
parece que temos casos mais isolados e em menor escala do que nos
Estados Unidos e na Europa", afirma David De Jong, professor de genética
da USP de Ribeirão Preto. Americano, ele veio para o Brasil na década
de 1980 para estudar o ácaro Varroa - recém-descoberto na época.
Uma das razões é que as abelhas daqui são diferentes das mais comuns
da Europa e dos Estados Unidos. A espécie brasileira é chamada de
africanizada, porque sofreu cruzamento, há mais de cinco décadas. O
resultado são insetos mais resistentes a doenças e capazes de se
reproduzir mais rapidamente - com desvantagem de serem mais agressivos.
"A abelha africanizada se adapta muito bem ao ambiente, exceto o frio
excessivo. Por essa razão, ela não é utilizada na Europa", explica Aroni
Sattler.
Para Lionel Gonçalves, professor aposentado da USP de Ribeirão Preto,
o Brasil sofre com um uso indiscriminado de agrotóxicos, e não tem uma
legislação de restrição efetiva. Lionel é um dos idealizadores do
projeto Be or not to be (abelhas ou não ser, em tradução livre, fazendo um trocadilho com a
frase de Shakespeare), uma campanha de proteção das abelhas, lançada no
ano passado. O objetivo é alertar a população e buscar apoio para
proteção dos insetos no Brasil e no mundo. A campanha está recolhendo
assinaturas para uma petição, que deve ser entregue ao Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente em novembro
deste ano, exigindo ações efetivas no combate ao CCD.
Algumas medidas simples trariam grandes benefícios. "Os produtores
poderiam aplicar os pesticidas na temporada certa, não durante as
floradas, e com cuidado, apenas sobre o cultivo. Usá-los no fim do dia,
quando as abelhas já estão em casa, também reduziria os danos", diz
Sattler.
Mudanças Climáticas:
Em geral, cientistas e biólogos estão detectando uma expansão do
“território” das espécies causada pelas mudanças climáticas. Por
exemplo, no Hemisfério Norte, espécies como as borboletas já estão sendo
encontradas cada vez mais ao norte, buscando temperaturas mais amenas. O
problema, detectado pelo estudo, é que isso não está ocorrendo com as
abelhas. A pesquisa identificou que elas estão desaparecendo no sul, por
não aguentar temperaturas mais altas, mas não estão indo para o norte.
Ou seja, a distribuição natural das abelhas estudadas diminuiu.
Isso acontece por causa da forma como as abelhas evoluíram. Elas não
estão preparadas para enfrentar mudanças climáticas como as que estão em
curso. Enquanto grande parte dos insetos surgiram em regiões tropicais –
e por isso devem prosperar em um mundo mais quente –, as abelhas
evoluíram na região de clima mais ameno, e têm dificuldade de sobreviver
em um cenário de aquecimento. O resultado é que, nos últimos cem anos,
as abelhas perderam mais de 300 quilômetros de território.
Para a pesquisadora Vera Lúcia Imperatriz, da Universidade de São
Paulo (USP), que não participou do estudo, a pesquisa está sendo
publicada em um momento importante, já que pode ser mais um subsídio
para governos definirem um acordo contra as mudanças climáticas no final
do ano. “As mudanças climáticas vão afetar as abelhas, sim,
especialmente a distribuição delas. É um problema grave. Esse trabalho
vem num momento muito importante, porque tudo o que se fala sobre
mudanças climáticas pode ajudar em um acordo de sustentabilidade
pós-2015”, diz Vera, do Conselho Científico da A.B.E.L.H.A.
O estudo da Science não analisou as seis espécies de abelhas Bombus
que existem no Brasil, conhecidas também como mamangavas. Segundo Vera,
entretanto, elas também estão ameaçadas. O desaparecimento das abelhas
acontece no mundo todo, mas no Brasil, infelizmente, ainda há poucos
dados e informações disponíveis para se saber com precisão sobre a
escala desse declínio. No Brasil, os estudos estão mais focados na
fragmentação dos habitats causado, por exemplo, por desmatamento ou
urbanização, no uso excessivo de pesticidas e no impacto das
monoculturas. Outra linha de pesquisa busca identificar o quanto as
abelhas “trabalham” em prol da nossa agricultura, com a polinização.
Estima-se que entre 70% e 75% das culturas agrícolas dependem em algum
grau da polinização por animais.
Como evitar a extinção das abelhas?
Se as abelhas estão perdendo cada vez mais espaço, como protegê-las
de uma extinção? Uma das sugestões do relatório publicado na Science é
apostar na chamada “migração assistida”. Trata-se de migrar,
artificialmente, as colmeias para locais com temperaturas mais amenas.
“A realocação experimental das colônias de abelhas em novas áreas
poderia mitigar a perda de território”, diz o estudo. É uma ideia
controversa. As abelhas realocadas poderiam, em tese, competir com
abelhas nativas ou transmitir doenças. Outra ideia é buscar refúgios nos
biomas originais das espécies, mas com clima mais ameno, por exemplo,
em áreas de morros. Políticas para mitigar os efeitos das mudanças
climáticas também precisam ser colocadas em prática pelos governo.
Mas nem tudo precisa ficar nas mãos do governo. Para Vera Lúcia, da
USP, todo mundo pode fazer alguma coisa pelas abelhas. “Nós podemos
incentivar a criação de jardins para as abelhas. Em vez de criar plantas
ornamentais, que não atraem insetos, aproveitar uma flora nativa que
possa acolher as abelhas”, diz. Ou seja, qualquer pessoa pode criar um
pequeno refúgio para ajudar a salvar as abelhas em seu jardim.
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