Vacinas de subunidade proteica

Por que usar o vírus inteiro se você pode selecionar apenas um pedacinho dele ou construir uma partícula sintética, parecida com a original? Esse é o raciocínio por trás do desenvolvimento dos imunizantes de subunidade proteica.

"A vacina que resguarda contra a hepatite B é um exemplo dessa tecnologia", lembra a imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia.

Uma característica das vacinas deste grupo é que elas geralmente precisam vir acompanhadas de uma substância adjuvante, outra proteína que dá um reforço e estimula uma resposta mais contundente do sistema imunológico.

Para a covid-19, uma candidata que desponta na dianteira das pesquisas é a NVX-CoV2373, feita pelos laboratórios Novavax e Takeda. Nas fases 1 e 2, ela foi testada na Austrália e na África do Sul. Agora, passa pela etapa final de estudos com mais de 18 mil voluntários no Reino Unido. Em um recente comunicado para a imprensa, os laboratórios estimaram que, se tudo der certo e o produto mostrar eficácia, poderão ser produzidas cerca de 1 bilhão de doses ao longo de 2021.

Vacinas baseadas em RNA

Mais modernas, elas são construídas a partir de informações genéticas para conferir uma proteção contra determinada doença. Funciona assim: no laboratório, os cientistas selecionam alguns genes do vírus e fazem modificações nele.

Esse material é injetado no organismo e passa instruções para que as próprias células fabriquem proteínas virais. O sistema de defesa, por sua vez, reconhece aquela informação como uma ameaça e gera uma resposta imune.

Até o momento, não existe nenhuma vacina registrada e utilizada em larga escala deste tipo.

São dois os exemplos de candidatas à vacina contra a covid-19 mais adiantadas desta turma: a mRNA-1273 (da ModernaTX com outras duas instituições) e a BNT162 (da Pfizer com outras duas instituições).

Apesar de terem uma produção simples e rápida, as vacinas baseadas em RNA podem representar um desafio do ponto de vista logístico, pois elas tendem a ser muito sensíveis e se degradam quando expostas a luz, calor ou enzimas do ambiente.

Em tese, serão necessários locais com uma higiene e temperatura com controle rigoroso para a aplicação das doses. Isso, claro, pode inviabilizar sua distribuição para regiões mais remotas do globo.

Vacinas com vetor viral não replicante

Cristina Bonorino define esse grupo como "moléculas Frankenstein". "A gente utiliza a casquinha de um outro vírus, que não causa doença e nem se replica, e colocamos dentro informações do material genético do coronavírus", conta a médica.

Há ao menos quatro pretendentes em fase 3: o Ad5-nCoV (CanSino Biologics e outras dez instituições), o Ad26.COV2.S (Johnson & Johnson e outras duas instituições), o AZD1222 (Universidade de Oxford, AstraZeneca e outras sete instituições) e o Gam-COVID-Vac (também conhecida como Sputnik V, do Instituto de Pesquisa Gamaleya em Epidemiologia e Microbiologia e outras seis instituições).

Nas últimas semanas, a vacina Sputnik V ganhou os holofotes com a sua aprovação na Rússia. O fato levantou uma série de críticas, pois os resultados de segurança e eficácia não foram publicados e, portanto, não eram conhecidos pela comunidade científica internacional.

Outra representante bastante conhecida é a candidata da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e da farmacêutica AstraZeneca. Os testes de fase 3 incluem voluntários brasileiros e há um acordo com o Ministério da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) para uma eventual produção de doses em território nacional.

O que falta para elas ficarem prontas?

Linha de montagem com vários frascos de vacina, um deles coletado por uma mão
Legenda da foto,

Uma lembrança: a aprovação de uma vacina não significa que ela estará disponível prontamente

Todas as candidatas à vacina citadas ao longo da reportagem estão iniciando ou em meio à fase 3 dos testes clínicos. Nesse momento, o objetivo é aplicar o imunizante em milhares de voluntários e acompanhá-los por determinado período de tempo.

Detalhe importante: uma parte desses indivíduos recebe a vacina de verdade, enquanto outra parcela toma doses placebo, que não tem efeito algum sobre o sistema imunológico.

A partir dessa experiência, os cientistas vão poder conferir se as pessoas vacinadas desenvolveram ou não reações adversas e se ficaram mais protegidas (ou não) da infecção pelo coronavírus quando comparadas ao grupo do placebo.

Para determinar o momento em que os testes podem ser finalizados, os autores definem uma quantidade mínima de eventos. "Nesse contexto, um evento é quando uma pessoa que faz parte do estudo fica doente e tem diagnóstico confirmado de covid-19", diz Natalia.

Vamos pegar o exemplo da CoronaVac, elaborada pela Sinovac e pelo Instituto Butantan: de acordo com as informações publicadas no ClinicalTrials.Gov, site do governo americano que registra os estudos clínicos, os testes serão concluídos quando for atingida a marca de 150 eventos. A data para finalizar todo o estudo está agendada para outubro de 2021.

Mas como então governantes e gestores públicos dizem que a vacina começará a ser produzida e distribuída já em dezembro de 2020? "Os fabricantes farão análises interinas, com um número menor de eventos registrados. Se os resultados parciais forem robustos, eles já pedirão uma aprovação emergencial para as agências regulatórias", antecipa Natalia.

Cristina Bonorino vê essa antecipação ensaiada por governos e empresas com ressalvas. "Precisamos respeitar o protocolo. É temerário você liberar qualquer vacina sem os resultados completos. Por mais que as agências regulatórias e os cientistas sofram pressão, devemos esperar para ter certeza de que aquele produto vai funcionar de verdade", afirma.

Outra discussão importante está nos grupos que poderão receber as vacinas. Por ora, muitas das candidatas só são testadas em adultos de 18 a 59 anos. Isso significa que não sabemos ainda se elas serão seguras e efetivas em idosos, por exemplo, que são um dos grupos de risco para a covid-19.

Por fim, é preciso levar em conta que a aprovação de uma vacina, qualquer que seja, não significa que ela estará disponível prontamente. "A liberação significa o início da fabricação em massa, da organização de campanhas, do treinamento das equipes de saúde, da organização das cadeias de transportes… E isso tudo leva tempo", acrescenta Natalia.

Na corrida para acabar com a pandemia, as próximas análises preliminares dos estudos de fase 3 são aguardados com ansiedade para os próximos meses. Em meio a tantas expectativas, projetos e promessas, é preciso tomar cuidado para que nenhum concorrente queime a largada.

Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/geral-54625341